Acessibilidade às pessoas usuárias no design conversacional
May 06, 2022Você já parou para pensar se o design e conversa do seu chatbot está sendo uma prática mais acessível do que uma central de relacionamento ou suporte?
Para uma Pessoa com Deficiência (PcD), pode ser muito menos frustrante as mecânicas de interagir com um chatbot, do que passar por um processo de atendimento telefônico de SACs. Mas, isso não quer dizer que simplesmente desenhar um fluxo conversacional seja o suficiente para dizer que o atendimento é, de fato, acessível, para isso precisamos entender algumas coisas.
De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, cerca de 45 milhões de pessoas têm algum tipo de deficiência no Brasil, estamos falando de, mais ou menos, 24% da população.
Ou seja, quando você está pensando no seu Design Conversacional, existe uma grande possibilidade do seu público alvo ter essa mesma porcentagem de pessoas PcDs entrando em contato com o que você escreveu e desenhou; e mesmo com um chatbot acessível, uma pessoa com deficiência leva em média três a cinco vezes mais tempo para preencher o formulário.
Pensando nisso, aqui vão algumas dicas e diretrizes que podemos seguir quando pensamos nos nossos fluxos e em como podemos torná-los acessíveis:
ANTES DE COMEÇAR O DESIGN
É uma boa prática solidificar qualquer fluxo em dados, certo? E, se tivermos tempo, ainda melhor, conseguiremos mais análises, mais pessoas para entrevistar e criar uma base mais sólida para esse começo. Como pensar em acessibilidade nesse momento?
Bom, em um primeiro momento, é interessante entender muito bem que, apesar de quase ¼ da população ser PcD, nossas equipes ainda são pouco diversas nesse sentido (e em muitos outros, mas esse não é o papo de hoje), então dobre sua atenção aos vieses que não conseguiremos detectar tão facilmente pela nossa distância do tema.
Designers, researchers, desenvolvedores… - todos têm igual responsabilidade no Design, não deixe acessibilidade ser uma pauta apenas de pessoas especializadas, assim o assunto ficará sempre muito nichado, e continuaremos a ter os vieses de sempre pela distância que temos do tema.
Então, recrute e entreviste o público PcD e crie personas com base nos dados que você colheu dessas entrevistas. E vale ressaltar que uma pesquisa sobre a diversidade dentro desse público é um material de uma valia enorme, porque assim como qualquer outro grupo de pessoas, há muitas diferenças entre cada uma delas.
É interessante pensar também em todas as ferramentas que uma pessoa com deficiência pode usar para ajudar na interação com o seu design, como leitores de tela, quando chegar o momento de colocar à prova a conversa desenvolvida, você pode adicionar essas etapas nos seus testes.
Quando você estiver fazendo a sua pesquisa, pense em algumas perguntas complementares às que normalmente fazemos, para que você possa entender melhor o seu público - 100% dele, não apenas ¾. Como por exemplo:
- Porque a base de clientes hoje é dessa forma? O que podemos fazer para diversificá-lá?
- Qual é o histórico de consumo dessas pessoas? Qual é a história dessas pessoas?
- Como eu posso ajudar alguém que ainda não tem familiaridade com o meu segmento?
- Por que eles consomem dessa forma?
- Caso ocorra um abandono de funil, como eu descubro se isso vem por problemas no acesso e na interação?
QUANDO ESTIVER CONSTRUINDO O DESIGN
Caso você decida por ou precise utilizar imagens, há coisas a serem consideradas: O seu design tem dependência de contexto nessa imagem? Essa imagem contém algum tipo de texto? Se sim, talvez seja interessante achar uma outra forma de transmitir essas informações, já que os leitores de tela não conseguem fazer essa leitura. Nesse sentido, também entra o uso de emojis - principalmente se estivermos considerando esses ícones no começo de frases, ou que eles sejam a única forma de comunicar uma informação, pedir uma ação da pessoa usuária (como números, setas, estrelas…). Se você quiser se aprofundar ainda mais nesse assunto, o novo curso da Arara traz um módulo completo só sobre iconografia (que, inclusive, está ficando incrível).
Para o envio e reprodução de vídeos, necessitamos de descrição de áudio para transmitir o contexto, para as pessoas com deficiências auditivas terem acesso a essas informações, e de uma legenda que tenha um contraste com o fundo da imagem, de maneira que não atrapalhe quem estiver lendo.
Esse chatbot tem atalhos com palavras-chave para as pessoas que usam tecnologia assistiva ou que possuem algum tipo de deficiência intelectual poderem acessar as informações que precisam da melhor maneira possível? Uma lista de expressões completa para o seu caso de uso pode ser usada a qualquer momento do fluxo, por exemplo, dando a melhor experiência para as pessoas usuárias.
No caso de qualquer função que não seja inclusiva, é uma boa prática pensar em mais de uma forma de interação com ela, para abarcar todas as pessoas que entram em contato com a sua solução.
Para a próxima dica, por favor, perdoem o uso do imperativo, mas é a melhor forma de comunicá-la: nunca utilize expressões capacitistas ou não-inclusivas! E aqui vale de aprendizado para a nossa vida profissional, mas para a nossa pessoal também!
Bom, mas como saber se o que eu estou dizendo se enquadra em capacitismo? A primeira delas é buscar a informação - hoje existem muitos influenciadores, comunicadores e conteúdos disponíveis na internet para que a gente saiba como melhorar o nosso vocabulário, para que ele não seja preconceituoso e exclusivo. Um canal muito interessante, é o Vai uma Mãozinha aí?, da Mariana Torquato - que foi usado para colher informações para este artigo.
Uma outra forma de entender, dessa vez de forma reflexiva enquanto pensamos no conteúdo que estamos desenvolvendo, é: na sua frase tem alguma parte do corpo humano ou algo que só é feito por ele como: braços, pernas, mãos, andar, falar, olhar - se você está ligando o seu público diretamente a alguma dessas palavras ou ações, pergunte-se:
1 - eu estou usando essas palavras para dar um outro significado, negativo, ao que eu quero dizer? Como: “Nossa, que mancada” para falar sobre um erro; “A empresa não tem braço para isso” para se referir a uma incapacidade - CAPACITISMO.
2 - eu estou pedindo para o público fazer alguma dessas ações? Como “Escute novamente”, nem todas as pessoas escutam o que você quer enviar; “Olhe para essa imagem”, nem todas as pessoas conseguem enxergar a imagem que você mandou - NÃO-INCLUSIVAS, POTENCIALMENTE CAPACITISTAS.
Além disso, o seu texto tem uma hierarquia que vai levar a pessoa usuária a interagir com o fluxo de maneira fluida, sem muitos obstáculos, conseguindo voltar ao que ela deseja de maneira fácil? A forma como o público PcD interage com o nosso chatbot, não é da mesma forma que nós julgamos ser o mais intuitivo e, por isso, precisamos tomar muito cuidado com os nossos vieses e, ou seja, o design precisa ser simples e efetivo, como vimos no último artigo sobre Arquitetura de Informações, para que todas as pessoas que quiserem ter uma experiência com o seu design, possam usufruir dela da forma menos truncada o possível.
QUANDO ESTIVER TESTANDO O DESIGN
Lembra daquele momento da pesquisa que a gente pensa em todos os dispositivos e tecnologias assistivas? Agora é o momento de baixar todos os aplicativos para testar o seu design e entender como essas tecnologias interagem com o que você desenhou e se o seu fluxo está funcionando em qualquer uma dessas condições.
Enquanto a testagem acontece, e depois dela também, não se esqueça de documentar o que você experienciou com esses testes, dê exemplos, coloque prints e vídeos do que você testou. Adapte o que precisa ser adaptado e, como sempre, converse com o desenvolvedor que está no projeto com você, para que o backend esteja alinhado com as experiências e seja, também, acessível.
Para escrever este artigo, eu fiz um teste simples, usando a ferramenta nativa do meu celular de acessibilidade para pessoas com deficiências visuais para ler uma mensagem que recebi de uma conta comercial que me direcionava para um comentário no site da empresa com um botão no WhatsApp. E, posso constatar, que utilizando um leitor de tela, a experiência foi bem complicada! Não dá para dizer que o leitor não consegue identificar o botão, mas eu precisei de uma segunda leitura da tela para entender que aquele áudio em específico se referia ao botão.
E posso dar mais uma dica: se o seu design tiver muitos números, datas, horários etc, passe o design pela ferramenta! Uma data escrita da seguinte forma: 05/05/2022, será transformada em áudio (pelo menos pelo leitor que foi usado para esse teste) para: “zero cinco barra zero cinco barra dois mil e vinte e dois”, o que não é exatamente uma informação tão clara e simples quanto “ cinco de maio de dois mil e vinte e dois”.
Temos algumas opções nativas dos celulares Android e iOS, basta configurar no menu Acessibilidade das configurações do seu celular; mas existem também alguns aplicativos que são mais específicos para certas deficiências, como por exemplo o TelepatiX (que ajuda pessoas com limitações de movimento severas), ou o HandTalk (que funciona como um tradutor simultâneo da língua portuguesa para a Língua Brasileira de Sinais, Libras).
PRIMEIRAS ANÁLISES DO DESIGN
Algumas análises que podemos fazer e coisas que podemos prestar atenção:
Muitas vezes, os sistemas de atendimento ao cliente com um humano é em uma plataforma independente à que a gente trabalha com os nossos chatbots - mas, podemos descobrir com o cliente se as informações que o chatbot coletou estão sendo enviadas para os agentes em espera, de forma que a pessoa usuária não precise passar pela frustração de repetir tudo novamente, e ainda mais pensando no tempo maior de preenchimento de informações que as pessoas PcD enfrentam.
Podemos voltar às nossas perguntas iniciais (alterando um pouco algumas delas):
- O que podemos fazer para diversificar ainda mais a base de pessoas usuárias?
- Qual é o histórico de consumo dessas pessoas? Qual é a história dessas pessoas?
- Como eu posso ajudar alguém que ainda não tem familiaridade com o meu segmento?
- Caso ocorra um abandono de funil, como eu descubro se isso vem por problemas no acesso e na interação?
E, como boa prática, nada melhor do que receber feedback das pessoas usuárias, certo? É interessante pensar na melhor forma de fazer a pergunta para entender como o seu chatbot desempenhou o que estava proposto, se ele era acessível, e se tem algo que pode mudar para que ele performe ainda melhor!
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Por fim, lembre-se: muitas das tecnologias hoje - sejam canais ou sites - ainda não nos entregam as ferramentas necessárias para pensar em um design que seja o mais acessível o possível, tendo a certeza de que você fez o melhor que conseguia, com o que lhe foi disponibilizado, o seu design está o melhor que poderia. O inimigo perfeito é o não feito!